Contos de Terror: A curacanga e os vizinhos espiões.


    A curacanga e os vizinhos espiões.

    Nada me fascina mais que ouvir as lendas e estórias das pessoas mais velhas que descrevem tudo com riquezas de detalhes e encantam aos seus ouvintes. Ouço degustando cada palavra como se estivesse ali, presenciando tudo o que estou ouvindo. Na minha infância, havia uma linha tênue que me dividia: o que fazer? ouvir até  o final e ficar com medo ou parar por ali? Não, eu nunca deixei de ouvir, não poderia e não deveria. Já sabia que o terror tomaria conta da minha noite e não adiantava alegar medo, eu sempre era alertada do teor e continuava a ouvir por opção. Das muitas estórias que me fizeram tremer na rede e não deixar meu pé descoberto com medo de alguma mão gélida agarrar, a que mais me causou assombro foi a de uma mulher que virava curacanga. 
       Reza a lenda que quando um casal tem sete filhas sem ter tido nenhum homem entre elas, a mais velha deverá ser madrinha da mais nova, caso não faça isto uma delas vai carregar a maldição de virar curacanga. Em noites de sexta feira a cabeça se desprende do corpo e fica envolta em uma chama de fogo que de longe pode ser visto, e sai a vagar principalmente pelos campos da Baixada Maranhense, aterrorizando os pescadores e vaqueiros, perseguindo-os e tentando queimá-los.  

Curacanga. Google Imagens
       Soube que um pescador passou madruga inteira dentro d´água enquanto a curacanga estava na proa de sua canoa e o impedia de entrar nela. Além do pobre homem ter voltado para casa sem um peixe sequer, ainda chegou tremendo de frio e de medo pois ficara muito assombrado. Em um outro caso,  soube de um homem que sacou o facão da cintura e enquanto rezava o 'pai nosso' teria encarado a assombração de frente que bateu em retirada.
      Contam que no interior havia uma mulher que carregava a maldição de virar curacanga, esta por sua vez morava só.  Certa noite, alguns vizinhos movidos pela curiosidade teriam resolvido espionar para constatar se aquilo de fato era verdade. Perto da meia noite, ouviram uma movimentação estranha no interior da casa de taipa e viram um enorme clarão. De repente, uma língua de fogo partiu em direção aos campos alagados para vagar sobre eles e causar assombro a quem encontrasse. Os vizinhos tomados de pavor, criaram coragem e decidiram ver o que havia dentro de casa, com cautela desataram o nó da porta de *mensaba,  tamanho foi o terror que lhes fez tremer dos pés a cabeça e um frio percorrer as suas espinhas: havia um corpo estirado no chão de terra batido, sem a cabeça. Paralisados de medo, ninguém não disse nada,  até que alguém sugeriu virar o corpo, porque assim, quem sabe , o encanto se acabaria. Mais quem iria tocar no corpo? Ninguém queria. Então o mesmo homem que sugeriu se arriscou e virou o corpo decapitado,  saíram e ficaram de tocaia para ver o que acontecia. 
      Quando o galo cantou a primeira vez,  a língua de fogo apareceu, entrou pelos fundos e segundo contam, o grito que ouviram os aventureiros noturnos teria feito qualquer pessoa morrer de susto e medo. O fogo permanecia la dentro, seria a cabeça inconformada procurando uma forma de se encaixar de volta o corpo? Como não  havia  jeito, voltou ao corpo como ele estava. Dizem que ninguém viu a mulher a semana inteira, pois a cabeça estava virada de frente para a costa. Com dificuldades para se alimentar, ela teria definhado até a outra sexta feira, quando saiu mais uma vez para cumprir com sua sina, mas dessa vez foi virar curacanga bem longe dos vizinhos espiões. 
     Depois disso ela nunca mais voltou para casa.



O texto contém adaptações moderadas em relação ao conto original.

Os nomes das pessoas foram preservados em respeito a elas e aos seus familiares.

* esteira feita de palha da palmeira de babaçu que serve como porta (Maranhão)


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